Cine Theatro Capitólio!

Capitólio (1928-1994): velho cinema novo?

Em matéria publicada na capa do Segundo Caderno do jornal Zero Hora, em 02 de julho de 1994, o jornalista Nilson Mariano, em narrativa melancólica, descrevia a última sessão do Cine Theatro Capitólio, ocorrida havia três dias. Inaugurado em 12 de outubro de 1928, com o filme Casanova, o príncipe dos amantes, o prédio (projeto do arquiteto e engenheiro paulista Domingos Rocco), possuía um estilo eclético, com influências açorianas e portuguesas, unindo luxo, complexidade e perfeição em seus espaços externos e internos. De propriedade do alfaiate José Luiz Faillace, que aplica suas economias na construção do novo centro de diversões, o Capitólio tinha capacidade original para 1.295 espectadores, uma área de 1.300 m² e mantinha contrato de exclusividade com duas das maiores produtoras de filmes da época: a United Artists e a RKO. Segundo o jornal Correio do Povo (06/10/1928), “um centro de reunião da elegante mocidade daquela populosa zona”.

A sala, localizada na esquina da avenida Borges de Medeiros com Demétrio Ribeiro (bairro Centro), chegava à sua derradeira sessão num clima que em nada lembrava seus anos dourados, quando, além de projetar grandes filmes, recebia companhias teatrais, vedetes do Teatro de Revista, e era palco de bailes de carnaval e concursos de misses. O então derrotado Capitólio exibia, naquela noite, o que havia de mais baixo na escala cinematográfica:

“O cartaz do pornô Seduzida por um cachorro e Amada por um animal contrastava com os lustres de cristal, a forração púrpura e os pilares em estilo grego do prédio erguido em 1928, no Centro de Porto Alegre. Mas os 20 espectadores da última sessão do Cine Capitólio, exibida às 21h de quinta-feira, não estavam muito interessados em detalhes arquitetônicos, nem no filme. Nos últimos meses, a sala estava servindo para encontros de homossexuais. Discretos, comportados e um pouco constrangidos, os gays lamentaram o fechamento do Capitólio”.
(MARIANO, Nilson – Zero Hora/Segundo Caderno, 02/06/1994, p. 01).

Naquela mesma quinta-feira, 30 de junho 1994, encerraram atividades outras duas salas da cidade, também administradas pela Fama Filmes, da rede de Marcelo Zonari (Companhia Cinematográfica São João): os tradicionais Marrocos (no Menino Deus) e São João (também no Centro) – este último, assim como o Capitólio, vinha dedicando-se à exibição de filmes de sexo explícito:

“Nos últimos tempos, Porto Alegre ganhou e perdeu vários cinemas. Novos shopping centers surgiram, com salas pequenas, cheirando a conforto e limpeza. Na última quinta-feira, três cinemas grandes, antigos e mofados encerraram suas atividades. Agora estão inertes e mudos os projetores do decadente São João, do outrora requintado Capitólio e do familiar Marrocos. Uma modernidade asséptica e despersonalizada substitui velhos e nostalgicamente simpáticos personagens da paisagem da cidade”.
(BECKER, Tuio – Zero Hora/Segundo Caderno, 02/06/1994, p. 20).

Pouco mais de uma semana depois, no domingo 10 de julho, fechavam outras seis salas, todas de propriedade do grupo Cine-Teatro Rex S/A: o ABC (na Cidade Baixa), o Coral 1 e 2 (no Moinhos de Vento), o Cacique, o Scala e o Lido (no Centro). Porto Alegre contabilizava a perda de nove salas de cinema em pouco mais de dez dias.

Quase simultaneamente ao fechamento do Capitólio, entidades iniciaram a luta para a restauração do cinema, sempre esbarrando na falta de recursos financeiros.

Em 1995, o então prefeito Tarso Genro sancionou a lei complementar 365/95, transferindo a propriedade do imóvel para o município, e o declarou Patrimônio Cultural da cidade (o projeto foi aprovado por unanimidade na Câmara dos Vereadores). Naquele mesmo ano, no dia 03 de outubro, o Segundo Caderno de Zero Hora publica, na coluna Estado das Coisas, nota redigida pelo jornalista Renato Mendonça que previa a reabertura da sala em 1996, administrada pelo Serviço Social do Comércio (SESC):

“Renato Seguezio, presidente do conselho regional do Serviço Social do Comércio (SESC), contou que seu tio pintava os cartazes do cinema e lembrou de Vinte mil léguas submarinas. O prefeito Tarso Genro citou Giordano Bruno, que assistiu nos anos 50, quando visitou um tio em Porto Alegre. Seguezio e Tarso prometem retribuir as nostálgicas matinês do passado salvando o cinema. (...) O SESC assumirá a restauração do prédio (orçada em R$ 1 milhão) e cuidará da administração. O diretor geral do órgão, José Mendonça, informou que esta sessão deve durar pelo menos 50 anos e que está prevista para agosto de 1996 a entrega do cinema e de uma oficina de teatro”.
(MENDONÇA, Renato – Zero Hora/Segundo Caderno, 03/10/1995, p. 03).

O convênio entre o SESC e a Prefeitura foi celebrado em novembro de 1997, com uma semana de espetáculos artísticos na Praça Daltro Filho – em frente ao cinema –, lançando o projeto Instituto Policultural Capitólio/SESC. O prazo para o início das obras não foi cumprido, e o acordo com o SESC desfeito no início de 2000. Desde então, o imóvel permaneceu abandonado, aumentando assim os problemas em sua já comprometida estrutura. Por diversas vezes os vizinhos reclamaram das infiltrações nas paredes, do lixo acumulado no pátio, dos ratos, dos pombos e morcegos que habitavam o telhado, e também dos mendigos que passaram a ter ponto em volta do prédio fechado. Em dezembro de 2000, uma das vigas que sustentavam o teto cedeu, e parte da cobertura desabou.

Mais de dez anos haviam se passado desde o fechamento do Capitólio! No dia 26 de outubro de 2004 (cinco dias antes das eleições municipais), a Prefeitura de Porto Alegre/Administração Popular (através da Secretaria Municipal de Cultura), a Associação dos Amigos do Cinema Capitólio (AAMICA) e a Fundação Cinema RS (Fundacine), realizaram, no local, coquetel de apresentação da nova Cinemateca Capitólio. Com aprovação junto à Lei de Incentivo à Cultura e Lei Rouanet, do Ministério da Cultura, e patrocínio da Petrobras, o projeto prevê a construção de um centro de documentação e informação para pesquisa audiovisual, abrigando em seu acervo arquivos e coleções públicas e particulares. Além disso, a cinemateca deverá contar com uma sala de cinema com 188 lugares, equipada com projetores nos sistemas digital, 35mm e 16mm, quatro salas de exibição para pequenos grupos e ilha de convivência (com cafeteria, loja de CDs, DVDs e livros relacionados com cinema). A cerimônia reuniu parte significativa da classe artística gaúcha, em especial os cineastas, e contou com apresentação do grupo teatral Falus & Stercus, cujos integrantes executaram coreografias pendurados em cabos presos às paredes do prédio.

As obras de restauração do prédio histórico tiveram início em dezembro de 2004. O projeto contou com um patrocínio de R$ 4,2 milhões da Petrobras em suas duas primeiras etapas, o que resultou na conclusão da etapa civil da obra. Com isso, a fachada do prédio e as estruturas da construção foram recuperadas.


Em 2006, quando a Petrobras decidiu não patrocinar a última etapa do projeto, um longo e persistente caminho precisou ser enfrentado a fim de se conquistar um novo financiamento. O trabalho envolveu a obtenção da Carta de Reconhecimento da Importância Cultural e Imaterial do Capitólio, em dezembro de 2007, junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e uma detalhada construção de apoios institucionais em todos os níveis de governo, além da ajuda de colaboradores.

Em novembro de 2009, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) confirmou o patrocínio no valor de R$ 1,1 milhão, por meio da Lei Rouanet, para a conclusão das obras de restauração da sala. O reinício das obras está previsto para os primeiros meses de 2010.

A Cinemateca Capitólio será a primeira da região sul do Brasil e a segunda do país, e pretende reunir todo o acervo audiovisual do Rio Grande do Sul. Por meio de um convênio, a Cinemateca Brasileira está prestando o suporte técnico de acervamento, restauração das películas, vídeos e materiais documentais, como cartazes e revistas. Todo material audiovisual significativo recebido é enviado para a equipe da Cinemateca Brasileira. Lá, o material recebe tratamento adequado para estar, em breve, disponível aos gaúchos no prédio do antigo cinema da avenida Borges de Medeiros – o jornalista e pesquisador cinematográfico Glênio Póvoas é o consultor técnico de catalogação e acervo.

Sonho antigo da comunidade cultural porto-alegrense e dos moradores do Centro, a re-abertura do velho Capitólio se anuncia próxima, e em grande estilo!


+ INFORMAÇÃO:

http://www.aamica-capitolio.blogspot.com

http://www.capitolio.org.br

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