O dia em que Papai Noel vestiu azul!

O dia em que Papai Noel vestiu azul
Final Sports / Sob a Bênção da Imortalidade
Cristiano Zanella
24/12/2008

Dez de dezembro de 1961. Era a data marcada para a realização do último jogo do Campeonato Gaúcho daquele ano, o Gre-nal que decidiria o campeão do certame. Mas, para tristeza e decepção dos tricolores, de nada valeria o clássico, visto que o Inter era o campeão antecipado, já tendo somado os pontos necessários nas rodadas anteriores. O jogo seria disputado no Estádio dos Eucaliptos, e o carnaval vermelho estava assegurado. Mal podiam imaginar os festivos colorados que uma estranha e inacreditável façanha – destas que teimam em acompanhar a já centenária trajetória tricolor – estava prestes a realizar-se, e que esta teria como protagonista o glorioso Grêmio Foot-ball Porto-alegrense, então Penta-Campeão Gaúcho.

Logo nos primeiros minutos de jogo, o Inter já vencia por 1 a 0, e a expulsão do lateral-direito gremista Altemir facilitaria as coisas para o colorado: terminado o primeiro tempo, Inter 2 x 0 Grêmio (dois gols de Alfeu). Segunda etapa: com um homem a menos e perdendo por dois gols, o Tricolor dos Pampas, capitaneado pelo lendário Airton Pavilhão, entra em campo para fazer história. Aos 25 minutos da etapa complementar, Nadir diminui cobrando falta: 2 a 1. Pouco mais de dez minutos depois, Marino empata o jogo. Já quase nos acréscimos, bola na área do Inter, e o “Tanque Gremista” Juarez cabeceia livre – era o gol da inesquecível virada! Inter 2 x 3 Grêmio!

Naqueles mágicos 45 minutos, a tristeza antecipada transformava-se em esfuziante e incontida alegria! O título do Gauchão já não tinha mais importância, e a torcida gremista ainda festejava o gol da vitória quando viu cruzar o campo, em louca disparada, um Papai Noel todo azul!?!? Por trás da tradicional indumentária natalina – quem mais poderia ser? – estava um dos maiores ícones da história tricolor: Francisco Paulo Sant´ana.

Segundo depoimento de Sant´ana à Revista Placar (junho de 1991):

“Tinha eu 22 anos e fui convidado para a façanha. Dias antes, prepararam-me uma vestimenta de seda azul, com gorro de pompom e tudo. E fiquei eu no vestiário todo o tempo, já dentro da indumentária, esperando apenas para calçar as botas, que eram de número 39, enquanto eu calçava 41. Quando o Inter fez o segundo gol, tirei a quente roupa de Papai Noel e coloquei numa sacola. Nada mais havia a fazer, ainda mais com a desvantagem de dez homens em campo. Mas, a medida em que o escore ia se modificando, eu ia colocando as calças, a blusa, o gorro, na expectativa de entrar no gramado. Quando explodiu o terceiro gol, o massagista Biscardi já passava sabonete em meus pés, no objetivo de conseguir enfiar neles as botas apertadas. A gente ficava naquele vestiário da quadra de basquete, havia uma porta de ferro e a tela separando-o do campo. Quando o árbitro terminou a partida, atirei-me contra ela, procurando ultrapassá-la. Policiais e funcionários da Federação tentaram impedir a força minha entrada. Os dirigentes e os reservas do Grêmio empurravam-me e consegui passar por aquela barreira, mas percebi que não havia mais pompom no meu gorro, nem a barba postiça branca no meu queixo, que haviam sido arrancados no sururu. Mesmo assim, entrei em campo sob os vivas da torcida gremista. Fui levantado pelos jogadores tricolores e levado até as sociais coloradas, que assistiam arrasadas ao meu desfile triunfante. Cumpria-se uma tradição de muitos anos. Fui para o centro da cidade, cercado por duas loiras espetaculares. Era o carnaval gremista que se espraiava pelas ruas. Dali a pouco, na Borges de Medeiros, o mais numeroso cordão colorado vinha em direção contrária – aliás, o Internacional havia sido o campeão. E nem a vitória gremista conseguira arrefecer-lhes por inteiro o ânimo. Quando aquela massa vermelha cruzou por nós, eles me atacaram. Subi num bonde-gaiola e eles entraram junto, perseguindo-me. Levei uma boa surra e minha roupa de Papai Noel foi inteiramente esfrangalhada. Nunca mais vou me esquecer daquela impossível vitória. Nem dos riscos que corri para apenas afirmar uma rivalidade que continua séria, mas tinha muito mais imaginário e pitoresco que nos dias de hoje”.

Foi numa tarde quente de dezembro, no distante ano de 1961, o dia em que o bom velhinho vestiu azul (e escapou de ser linchado)... O dia em que, mais uma vez e para todo o sempre, o Grêmio escrevia com sangue, suor e lágrimas seu nome no livro das vitórias impossíveis, tornando-se o protagonista de uma verdadeira fábula natalina. E os gremistas, mesmo perdendo o título, viveram intensamente um Natal de muita paz, saúde e amor – um autêntico Natal tricolor!

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