O cinema passou pela calçada
As mais de 20 salas que Porto Alegre oferecia há 20 anos viraram estacionamento, igreja, bingo, loja e até ruína tomada pelo mato
Dificilmente um aluno do cineasta e professor Carlos Gerbase viverá um dia algo parecido com a "experiência transcendental" que ele teve na juventude, no Cine Bristol. O diretor de Sal de Prata (2005) costuma contar em aulas na PUCRS ter visto, antes do início da sessão e ainda com as portas da sala abertas, a imagem dos ônibus da avenida Osvaldo Aranha projetados na tela branca, de cabeça para baixo. O cinema havia se convertido em uma imensa câmara escura, o mesmo fenômeno físico que permite a captura de fotografias.
Do Bristol e de outros 23 cinemas de calçada listados, há 20 anos, na seção Em Cartaz de ZH, sobraram as histórias. Depois de demolido, o cinema do Bom Fim - no mezanino do Baltimore - virou estacionamento, mesmo destino do Marrocos, no Menino Deus. Outros viraram mato, igreja, bingo, padaria. ZH visitou todos os antigos endereços - o resultado está nas páginas a seguir.
Para a professora Susana Gastal, autora de Salas de Cinema: Cenários Porto-Alegrenses, as grandes salas morreram por responder ao público inconstante com economia em investimentos. As empresas detentoras dos espaços perderam o bonde da atualização de equipamentos e conforto. As sucessivas revoluções tecnológicas da sétima arte - a introdução do som e da cor, por exemplo, ao longo do século 20 - foram motivo para que empresários sucumbissem e outros nascessem. Os remanescentes no final dos anos 1980 não resistiram aos shoppings dos anos 1990, quando proprietários descapitalizados não eram capazes nem de oferecer poltronas com estofamento em dia ou aparelhos de ar-condicionado satisfatórios. Observa Susana:
- O cinema está onde o seu público está.
De fato, as décadas de 1940 e 1950 foram áureas para os cinemas da Rua da Praia, mas as décadas seguintes assistiram a uma descentralização do que um dia se poderia chamar de Cinelândia porto-alegrense. No final do século, o derradeiro deslocamento do ambiente de lazer da rua para os shoppings deu o golpe de misericórdia em 16 salas.
O jornalista Cristiano Zanella, autor de The End: Cinemas de Calçada de Porto Alegre (1990-2005), pensa o destino das atuais salas de exibição à luz da diversificação do acesso à imagem em movimento - tevê a cabo, games e, evidente, o download de filmes e a venda de DVDs piratas.
- Talvez no futuro se fale em sala de conteúdo, não sala de exibição. Com o projetor digital, é possível reproduzir mais filmes diferentes no mesmo dia, ou trabalhar com eventos esportivos, teleconferências, videogames - especula Zanella.
Eduardo Lorea
Zero Hora (Caderno de Cultura), 29 de setembro de 2007.
http://www.zerohora.com.br
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