Cinema(s) Paradiso
Aplauso - Cultura em Revista / edição 83 / Cinéfilo
Marcus Mello
abril/2007
Um dos momentos inesquecíveis da minha vida de cinéfilo aconteceu em julho de 1996, em Santa Cruz do Sul, cidade onde nasci e vivi até os 25 anos de idade. Foi no dia do fechamento do Cine Victória, o cinema da minha infância, que fazia sua última sessão numa fria noite de inverno com o filme Twister, de Jan de Bont. Inconformado com a possibilidade de ver o lugar onde havia sido tão feliz nos meus verdes anos de juventude fazer sua derradeira função com meia dúzia de pessoas na platéia, enviei um pequeno texto ao jornal local convidando a cidade a se despedir e prestar uma última homenagem àquela sala que tinha desempenhado um papel central em nossas vidas. O texto terminava dizendo que aquele gesto banal não iria reverter a situação, mas pelo menos serviria para mostrar que os sonhos da nossa adolescência continuavam vivos e, ao contrário do que estavam fazendo com o nosso cinema, nunca seriam tirados de nós. O apelo produziu um efeito imediato e, até certo ponto, surpreendente. À noite, apesar do frio e da qualidade duvidosa do filme escolhido para sua última sessão, o gigantesco Victória, normalmente relegado às traças, foi tendo suas cadeiras ocupadas por pessoas de diferentes gerações, visivelmente comovidas com aquela reunião que acabou ganhando o caráter de uma autêntica cerimônia de adeus.
A lembrança daquela emocionante sessão me vinha o tempo inteiro à mente durante a leitura de The End – Cinemas de Calçada em Porto Alegre (1990 – 2005) (Idéias a Granel, 192 págs., R$ 25,00), lançado no final de 2006 pelo jornalista, cineasta bissexto e polemista de plantão Cristiano Zanella. Originalmente concebido para ser um documentário sobre o fim das salas de rua em Porto Alegre, projeto frustrado pela dificuldade habitual de financiamento, The End... se transformou num belo livro que vem reforçar a minguada bibliografia local sobre cinema.
Muito bem documentado, amparado por dezenas de depoimentos e sem deixar de citar outros trabalhos já realizados em torno do tema, como Salas de Cinema: Cenários Porto-Alegrenses, de Suzana Gastal (1999, infelizmente esgotado), o livro de Zanella acompanha o melancólico apagar das luzes dos últimos 21 cinemas de calçada da capital gaúcha: ABC, Astor, Avenida, Baltimore, Bristol, Cacique, Capitólio, Carlos Gomes, Cinema 1 - Sala Vogue, Coral, Guarany, Imperial, Lido, Marrocos, Presidente, Real, Ritz, Roma, São João, Scala e Victoria. Este passeio nostálgico proposto pelo livro certamente vai tocar o leitor (especialmente aqueles nascidos antes dos anos 80), que poderá fazer seu Amarcord cinematográfico particular e voltar ao tempo, revivendo as concorridas sessões da meia-noite do ABC, os históricos ciclos do Bristol, os Woody Allen vistos no Avenida, as longas e animadas filas do Baltimore na Osvaldo Aranha, os Bergmann e Fellini estreados no Cinema 1 – Sala Vogue ou, por que não?, as úmidas sessões hardcore nas poltronas do Lido e do Carlos Gomes.
Além de seu inegável valor como documento histórico, que recupera um período fundamental na vida cultural da cidade, este pequeno livro também esconde nas suas entrelinhas uma sutil reflexão sobre o fim das coisas. A leitura de The End..., a propósito, não poderia chegar em melhor hora, justamente no momento em que vemos as salas da Casa de Cultura Mario Quintana ameaçadas e a crise que terminou com os cinemas de calçada nos anos 90 bater a porta dos cinemas dos shoppings, devido à expansão do DVD, ao avanço da pirataria, aos novos meios de acesso à imagem e à insegurança nos grandes centros urbanos.
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Fotos: Cristina Ribas (cines Coral e Baltimore)
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