De volta ao velho casarão
Havia dez, talvez quinze anos, que meu pai não pisava no velho casarão da Azenha - o Olímpico Monumental de guerra, sagrado território tricolor. Renato José Zanella, que tem nome de craque, esteve presente na inauguração do estádio, em 1954, acompanhou de perto gloriosas conquistas ao longo de décadas, e antes de se converter à faculdade de engenharia mecânica chegou a treinar entre os aspirantes do clube, sob o comando do técnico Glênio Reis (o "GR Show" - talvez o mais antigo radialista em atividade do estado). Conta o velho que, certo dia, o lendário Osvaldo Rolla, o "Foguinho", chamou-o num canto do gramado e deu-lhe o seguinte conselho: "Zanella, tu aqui estás apenas tirando o lugar de algum morto de fome que realmente precisa do futebol pra viver. Mete a cara nos livros, que o teu negócio é faculdade". Hoje, passadas muitas batalhas, o pai está aposentado, reside em Florianópolis, e no alto de seus 72 anos já não tem mais o gosto pela bola dos tempos de outrora.
A partida do último sábado, entre Grêmio e Ceará, efetivamente não tinha maior interesse para o tricolor. O clima de desmobilização se refletia nas arquibancadas vazias, mas nada disso iria estragar a festa. A presença paterna me enchia de orgulho e satisfação - nada mais importante para um guri de 40 anos do que retribuir à seu pai o gremismo que lhe fora injetado nas veias desde o berço!
Quando adentramos a geral, olhei para o gramado e lá estava Baltazar Maria de Moraes Junior - o "Artilheiro de Deus" -, sendo homenageado pelos incontáveis serviços prestados ao clube que lhe projetou. Foi quando o céu escureceu, minha pressão baixou e minhas pernas tremeram...
Eu então, subitamente, entrava num túnel do tempo, numa realidade paralela, e sem saber ao certo a razão, inexplicavelmente parecia ter voltado à infância... A arquibancada superior não mais existia - era como até meados dos anos 80, quando o anel ainda não estava completo. O placar estava novamente sendo operado com placas de reposição manual; no bar havia cerveja gelada, e os ambulantes vendiam whisky e conhaque - aproveitamos para tomar algumas doses, rememorando os clássicos Grenais dos anos 70, as conquistas internacionais dos anos 80 e 90, uma época realmente inesquecível, em que o tricolor era soberano no estado, e dirigentes e torcedores ilustres eram gente como a gente: Hélio Dourado, Fabio Koff, Paulo Santana, Camelinho (até mesmo a coloradíssima Terezinha Morango passou pro nosso lado).
O flashback seguia pela casamata, onde - acreditem! - estavam o mestre Telê Santana, o titio Fantoni, o cabeção Ênio Andrade, Espinosa, Felipão, Evaristo de Macedo; embaixo do paus, Manguita Fenômeno (que em 79 vestiu a tricolor), Leão, Mazaropi e Danrley acenavam para as arquibancadas, que agora estavam superlotadas; na linha de zaga, Ancheta, o caudilho De León, Baideck, Adilson - o "Capitão América", Rivarola e Arce, sentavam a porrada nos avantes adversários; na meia cancha, distribuíam a bola com elegância Iúra, Caju, Paulo Isidoro, Caio, Tita, China, Valdo, Dinho, Goiano, até o borracho Arílson estava presente; já no ataque André Catimba, Éder Aleixo, Tarciso - o "Flecha Negra", Baltazar, Renato Portaluppi, Paulo Egídio, Lima, Dener, Paulo Nunes e Jardel protagonizavam jogadas memoráveis que nos enchiam os olhos.
Sem acreditar no que via, viajava em meu imaginário, povoado por tantos ídolos que ali haviam escrito a história - era espectador de um Grêmio aguerrido e bravo, um time de craques que amassava o adversário sem piedade. A torcida, unida, fazia festa, tremulando faixas e bandeiras, entoando cânticos que celebravam a alma e a imortalidade que sempre foram a marca registrada do glorioso Grêmio Foot-ball Porto Alegrense!
Foi quando o juiz apitou o final da partida, e deu-se fim ao sonho delirante! Iniciava-se, então, um pesadelo macabro: na casamata estava Celso Roth, na zaga Rafael Marques e Saimon, no meio campo Adilson e William Magrão, no ataque André Lima e Miralles... entre outros perebas que nem valeria aqui citar. A torcida saía cabisbaixa, e vaias ecoavam em todos os setores do estádio. O Grêmio havia perdido o jogo para o ridículo Ceará, pelo placar de três a um!
Olhei para meu pai e ele havia envelhecido décadas. Mas, sei lá, parecia o mesmo gremistão do milênio passado... No meu peito, pulsava uma saudade dos bons tempos que infelizmente não voltam mais, quando todo domingo o velho enchia seu Opala de amigos e seguia rumo ao casarão da Azenha - tempo em que o Grêmio era o Grêmio que nós, gremistas de verdade, aprendemos a amar, respeitar e admirar. Nos olhamos rapidamente, um abraço fraternal nos envolveu, e, mais do que nunca, eu tinha uma certeza: pai, amigo de tantos caminhos, de tantas jornadas - valeu a pena! Obrigado por tudo, e pode apostar que ainda vamos comemorar muitas conquistas juntos...
Não sei quando meu velho voltará ao Olímpico, afinal de contas, em pouco mais de um ano o Monumental será apenas história. Mas, com certeza, para além da eternidade, o seu Renato terá as portas abertas neste consagrado templo do futebol - junto de outros milhares de gremistas que ajudaram a forjar, a ferro e fogo, a trajetória deste que, para nós torcedores, será para todo sempre o maior clube do mundo!
Com o Grêmio onde o Grêmio estiver! Assim é, e assim será...
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belo texto. só que Dinho e China distribuindo bola com elegância fica por conta da poesia, né Zanella ?
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